Saídas de contos de fadas... Estranhas "CRIATURAS" estas! Será que estamos nos jardins da Rainha de Copas? A qualquer momento podemos encontrar a Alice a tomar chá com o Chapeleiro. Mas engane-se... Não, não estamos no País das Maravilhas! Estamos no norte de Portugal, por Terras de Basto, onde uma estranha bruma esconde obscuras silhuetas por detrás dos muros. O que serão? Os raios de sol revelam enormes "esculturas verdes" de inspiração inglesa que guardam os vetustos solares de granito! Quem as teria criado?
Um jardim inglês...
Um jardim nas Terras de Basto...
Para sabermos temos de recuar quase 200 anos e falarmos da família Ferreira Pinto Basto. Mais concretamente de duas irmãs que cresceram e foram educadas por terras de Sua Magestade, em Inglaterra. Curiosos os nomes destas irmãs Pinto Basto, D. Emília Ermelinda e D. Justina Praxedes!
D. Emília Ermelinda Ferreira Pinto Basto. Fonte e créditos fotográficos: BOBONE, Carlos, História da Família Ferreira Pinto Basto, Livraria Bizantina, Vol. II, Lisboa, 1997 (1) |
D. Justina Praxedes Ferreira Pinto Basto. Fonte e créditos fotográficos: BOBONE, Carlos, História da Família Ferreira Pinto Basto, Livraria Bizantina, Vol. II, Lisboa, 1997 (1). |
Ambas nasceram em Massarelos, no Porto, na Casa de Entre-Quintas ou Quinta da Macieirinha, onde atualmente está instalado o Museu Romântico. D. Emília a 3 de agosto de 1813 e D. Justina a 21 de julho de 1809. Oriundas de uma família abastada de comerciantes daquela cidade, cujos avós eram Domingos José Ferreira Pinto Basto, o primeiro da família a usar o apelido completo, e D. Maria do Amor Divino da Costa... Que nome inspirador! Eram filhas de António Ferreira Pinto Basto e D. Joana Rita Margarida de Castro e sobrinhas do famoso José Ferreira Pinto Basto, fundador da fábrica de porcelanas da Vista Alegre. Mas foi com outro tio que as irmãs foram criadas... Chamava-se João Ferreira Pinto Basto e era representante da Companhia de Vinhos do Alto Douro, em Londres e sócio do irmão José. E foi em Londres que as irmãs cresceram e terá sido por terras inglesas que viram pela primeira vez as estranhas "CRIATURAS"!
Habitavam os jardins ingleses e materializavam-se ora em formas geométricas, ora em formas abstratas e estilizadas de animais fantásticos. Na verdade eram topiárias! Árvores podadas segundo o gosto do jardineiro... Estes curiosos jardins formais e clássicos eram já muito antigos, a maioria plantados em finais do séc. XVII e inícios do séc. XVIII.
Eram inspirados no barroco jardim formal francês, cuja apoteose foram os faustosos jardins do Palácio de Versailles, desejo megalómano de Luís XIV, o Rei Sol, e encomenda a André Le Nôtre que os desenhou e os construiu entre 1662 e 1700.
Mas como qualquer inglês que se preze, não quiseram ser iguais aos franceses e não se ficaram pela excessiva geometrização das topiárias, deram-lhe novas formas, mais arredondadas... Enalteceram a topiária!
As irmãs Pinto Basto ficaram rendidas a tamanha beleza e magia! Quem sabe um dia não poderiam ter também o seu "jardim encantado" povoado por "CRIATURAS" verdes fruto de uma imaginação fértil e criativa.
Pintura de Balthasar Nebot dos jardins de Hartwell House, Buckinghanshire, sul de Inglaterra, 1738. Nesta pintura vêem-se os jardineiros a trabalhar, um deles a podar as topiárias. |
Mas como qualquer inglês que se preze, não quiseram ser iguais aos franceses e não se ficaram pela excessiva geometrização das topiárias, deram-lhe novas formas, mais arredondadas... Enalteceram a topiária!
As irmãs Pinto Basto ficaram rendidas a tamanha beleza e magia! Quem sabe um dia não poderiam ter também o seu "jardim encantado" povoado por "CRIATURAS" verdes fruto de uma imaginação fértil e criativa.
Desenhos de Le Nôtre das topiárias do jardim do Palácio de Versailles, em França. |
D. Justina casou com o seu primo em 2º grau, Teodoro António de Carvalho e Almeida Leite Pereira, Senhor da Casa de Piellas, em Painzela, Cabeceiras de Basto. E deste casamento nasceram 4 filhos, 3 raparigas e 1 rapaz.
Foi nos jardins destas casas, em Celorico de Basto e Cabeceiras de Basto que as irmãs resolveram dar largas à sua imaginação e trazer aquilo que viram em Inglaterra, as "CRIATURAS"!
Desenhos de topiárias. |
Gravura inglesa da época vitoriana, mostrando como fazer uma topiária. |
Jardineiros a trabalharem nas topiárias gigantes de Levens Hall, Cumbria, norte de Inglaterra, 1950. Fonte: willowbrookpark.blogspot.com |
E foi então que D. Emília lembrou-se de mandar o seu jardineiro Manuel Joaquim Alves Soares, que havia recolhido na sua casa desde os 3 anos de idade, estudar desenho para o Porto. Seria ele o primeiro a dar vida ao que se veio a chamar "Jardins de Basto"!
Jardim da Casa de Piellas, em Painzela, Cabeceiras de Basto. Séc. XX, anos 20. Fotografia gentilmente cedida pelo proprietário, o eng. António Manuel Silva de Carvalho e Almeida. |
Topiária em cedro do jardim da Casa de Piellas, séc. XX, anos 20. Fotografia gentilmente cedida pelo proprietário. |
Topiária monumental em cedro do jardim da Casa de Piellas, séc. XX, anos 20. Fotografia gentilmente cedida pelo proprietário. |
Topiária de camélias, em arcada formando rotunda, do jardim da Casa de Piellas, sec. XX, anos 20. Fotografia gentilmente cedida pelo proprietário. |
Das mãos deste homem nasceram jardins de encantar, diferentes de tudo o resto...
Topiárias monumentais do jardim da Casa de Piellas. |
As esculturas verdes dominavam, sobrepunha-se a tudo, faziam a vez da arquitetura, elas eram a arquitetura! As "CRIATURAS" tomavam conta do espaço, envolviam-no criando, ao contrário do tradicional jardim formal, caminhos sinuosos, labirínticos, cuja grandeza das topiárias ocultava a surpresa que vinha a seguir. Um verdadeiro parque de diversões, um mundo surreal criado pela mente do homem. Animais fantásticos, ou melhor bestas, formavam um bestiário, cilindros gigantes, esferas, cubos, formas livres e demasiado estranhas, arcadas, casinhas de camélias fazendo a vez de "casas de fresco"... Imaginação no seu estado mais puro!
Topiárias do jardim da Casa de Piellas |
Topiária de camélias do jardim da Casa de Piellas. |
Topiárias da Quinta do Prado, em Britelo, Celorico de Basto. Neste jardim ainda se conservam as originais casas de fresco feitas de camélias. |
Jardim da Quinta do Prado, em Britelo, Celorico de Basto. Atualmente encontra-se lá instalada a Câmara Municipal de Celorico de Basto |
D. Justina Praxedes Ferreira Pinto Basto, final do séc. XIX. Fotografia gentilmente cedida pelo trineto, Eng. António de Carvalho e Almeida. |
Mas as mentoras dos Jardins de Basto, tal como os comuns mortais, não foram eternas. Em 1899, morre D. Emília, com 86 anos, na sua Quinta do Prado, sendo sepultada na Igreja de São Romão do Corgo, em Celorico de Basto. Alguns anos depois, em 1905, morre a irmã D. Justina, com 96 anos na sua Casa de Piellas.
Este jardineiro era um verdadeiro "faz-tudo" e controlava todos os jardins das Terras de Basto, e não só, também cuidada de outro, o da Casa de Goladas em Braga, que havia pertencido a D. Justina. Mas ele estava em todo o lado de tesoura em riste pronto para cortar o galho mais teimoso que se atrevia a sair da ordem.
Jardim da Casa da Gandarela, Basto (São Clemente), Celorico de Basto. |
Arcos de camélia do jardim da Casa da Gandarela. |
Topirárias do jardim da Casa da Gandarela. |
Uma "CRIATURA"! Jardim da Casa da Gandarela. |
Mas tudo acaba... Esta dinastia de jardineiros, que chegou até a trabalhar nos jardins de Versailles está extinta! As já velhas "CRIATURAS" lutam pela sobrevivência. Criadores precisam-se!
A bruma regressou! E o jogo do "esconde esconde" também! As silhuetas tornam-se ténues, mas ainda assustadoras. Magia total! Fechamos os olhos e esperamos pelo chá. Será servido no meio do jardim às 5 horas da tarde, à inglesa. Uma mesa com toalha de linho bordada e de fina renda já está posta com o velho serviço de chá Vista Alegre. Para companhia, rodeada das "CRIATURAS" estão duas irmãs com camélias nas mãos... Fechamos os olhos e deixamo-nos levar pela imaginação, inebriados pelo cheiro das roxas glicínias sentimos o toque frio da neblina que teima em cair.
Agradecimentos especiais:
Prof. Francisco Martins Pacheco pela sua incansável ajuda;
Prof. Francisco Martins Pacheco pela sua incansável ajuda;
Eng. António de Carvalho e Almeida, proprietário da Casa de Piellas e trineto de D. Justina Praxedes Ferreira Pinto Basto;
Topiária de cedro do jardim da Casa da Gandarela que ardeu em agosto de 2015 devido à chuva de faúlhas causada pelos fogos de artifício das festas da vila. |
Nota sobre algumas legendas: (1) Na impossibilidade de encontrar outras fotografias de família e dada a importância das pessoas nelas presentes para a construção desta crónica não houve outra alternativa se não recorrer a algumas que estavam publicadas na obra BOBONE, Carlos, História da Família Ferreira Pinto Basto, Livraria Bizantina, Volumes I e II, Lisboa, 1997. Este blogue destina-se meramente a fins culturais com vista à divulgação das Terras de Basto e suas famílias, não existindo qualquer fim comercial nem lucro para o seu autor.